As redes sociais são as armadilhas da modernidade individualista
Um homem de 90 anos, lúcido, pessimista e talvez capaz de ver o que nós não podemos notar dentro do grande aquário digital, nos adverte sobre aspectos desta. Zygmunt Bauman é um dos mais ferozes críticos da modernidade e da sociedade de consumo, e em uma recente entrevista com o jornal El País fez algumas apreciações sobre o desencanto que estamos vivendo ante as políticas neoliberales e a inundação tecnológica.
O sociólogo polonês diagnosticou que a promessa neoliberal de que a riqueza de uns tantos acabaria se derramando para outros estratos da sociedade se revelou como uma grande mentira, e a desigualdade segue crescendo sobre esta promessa. Assim se cria o que chama um "precariado", uma sociedade precária que sofre as expensas de uma minoria privilegiada.
O desencanto está chegando a um ponto crítico segundo ele:
"O que está acontecendo agora, o que podemos chamar a crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, senão que são incapazes. Para agir é preciso poder: ser capaz de fazer coisas; e precisa-se política: a habilidade de decidir que coisas têm que ser feitas.
A questão é que esse casamento entre poder e política em mãos do Estado-nação terminou. O poder globalizou, mas as políticas são tão locais como antes. A política tem as mãos cortadas. As pessoas já não creem no sistema democrático porque não cumpre suas promessas. É o que está acontecendo, por exemplo, com a crise da migração. O fenômeno é global, mas agimos em termos paroquianos.
As instituições democráticas não foram desenhadas para manejar situações de interdependência. A crise contemporânea da democracia é uma crise das instituições democráticas."
Bauman considera que a visão que foi promovida é a de um individualismo rasteiro que produz um perda do sentido de comunidade, um "ativismo de sofá" desvinculado das ações que realmente podem fazer uma diferença. A isto contribui o adormecimento generalizado dos meios digitais, especialmente das interações mediadas em redes sociais. Talvez a Internet não seja um instrumento tão revolucionário como pensamos:
"A questão da identidade foi transformada em uma tarefa impossível: as pessoas agora tem que criar suas próprias comunidades. Mas não se cria uma comunidade, ou você a tem ou não; o que as redes sociais podem criar é um substituto, um paliativo que não serve praticamente a nenhum princípio.
A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. Você Pode acrescentar amigos e pode deletá-los, escolher as notícias que quer ou não ler e controlar as pessoas com a quais se relaciona. As pessoas se sentem um pouco melhor porque a solidão é a grande ameaça nestes tempos de individualização. Mas nas redes é tão fácil acrescentar amigos ou apagá-los que não são necessárias habilidades sociais.
As habilidades sociais são desenvolvidas apenas quando estamos na rua, ou quando vamos ao local de trabalho, e nos encontramos com outras com as quais temos uma interação razoável. Aí sim temos que enfrentar as dificuldades, desenvolver um diálogo.
Como exemplo, o papa Francisco, que é um grande homem, ao ser eleito deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano que é um auto-proclamado ateísta. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com pessoas que pensa o mesmo que você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é fácil evitar a controvérsia...
Muita gente usa as redes sociais não para unir, não para ampliar seus horizontes, senão ao invés, para se encerrar no que chamo zona de conforto, onde o único som que ouvem é o eco de sua voz, onde a única coisa que vêem são os reflexos de sua própria cara. As redes são muito úteis, dão serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha."
A chave parece estar em nossa relação editada, comodificada com os outros nas redes sociais, o que não nos permite confrontar com a realidade da diferença do mundo das ruas, podemos criar nosso próprio universo fechado, inoculado, a salvo de ter que ver o que não gostamos. Podemos controlar o que vemos e o que nos dizem desde a comodidade de nosso sofá. Isto é evidentemente uma ilusão; talvez estas plataformas digitais estejam muito próximas a uma trilha perfeita em direção a idiocracia.
Via | El Pais.
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Comentários
Vivemos tempos líquidos em que tudo o que o ser humano sente é fugaz.
Do próprio Bauman.
A ilusão existe, o problema é a realidade.
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