Quanto tem que durar o fragmento para que reconheçamos uma canção?
Dias desses vi um filme muito hipster, Submarine, cujas primeiras palavras de seu protagonista, Oliver Tate, são: - "A maioria das pessoas só pensam em si mesmos, como se não tivessem ninguém mais com eles. Isso lhes motiva para se levantar a cada amanhã, comer e andar como se nada acontecesse". De fato, o protagonista chega a desejar que uma câmera registre sempre sua vida. Porque todos achamos que somos protagonistas de nosso próprio filme. Por isso existem tantos viajantes egocêntricos que se queixam do número de turistas que visitam um lugar virginal ou um rincão paradisíaco que só querem para eles.
Somos essencialmente egocêntricos, por muitos neurônios espelho que disponhamos no cérebro: se deixamos de ser egocêntricos é para buscar alianças e cumplicidades com as quais, em suma, realizamos nosso plano secreto de perpetuar nosso código genético. E os que se sacrificam sem conseguir se perpetuar, no fundo também o fazem pelo mesmo motivo. O que quero dizer é que assim como uma masturbação resulta prazerosa porque o corpo acha que está disseminando seu DNA, o sacrifício parece desejável porque incrementa nossa reputação (e a possibilidades de nos perpetuar); só que as vezes a masturbação acaba em um kleenex e o sacrifício na sepultura.
Isso também implica ao mundo da música. Quando a canção fala do desamor, cremos em seguida que essa canção foi concebida especialmente para nós. As canções, então, convertem-se em uma epítome do nosso egocentrismo e até ficamos um pouco chateados -enciumados até- que se tornem muito populares -eu a conhecia antes de que ficasse asquerosamente comercial, costumamos dizer-.
O assunto das canções tem mais assunto do que parece. As canções conectam especialmente bem nossas emoções até conseguir que fiquemos arrepiados, como expliquei em outro artigo. Até o ponto, também, de que sejamos capazes de reconhecer uma canção importante com apenas algumas notas. Bem menos do que cremos.
Não sei se conhece Angie, dos Rolling Stones. É uma canção cujo começo não parece nada de especial: um simples acorde de guitarra em Lá Menor. Há muitas canções que começam assim. Mas aqueles que gostam dessa canção são capazes de adivinhar que esse primeiro acorde corresponde em particular, só escutando a primeira vibração das cordas. O mesmo se repete com muitas canções de gosto pessoal de cada um.
Em 1999, Gene Schellenberg, da Universidade de Toronto Mississauga, queria calcular quantos fragmentos da canção eram necessários ouvir para adivinhar seu título. A conclusão do experimento foi que a metade dos participantes conseguiu classificar os fragmentos musicais em menos de 100 décimos de segundo. Os participantes erraram unicamente nos arquivos sonoros reproduzidos ao revés e nos que suprimiram as frequências mais altas. Christoph Drösser explica a experiência em seu livro Der Musikverführer (A sedução da música):
"Schellenberg colocou cinco sucessos da lista dos mais vendidos nos últimos meses (entre eles o chiclete Macarena) para 100 estudantes. No princípio, os participantes podiam escutar um fragmento mais longo de cada uma das canções que resultassem conhecidas, depois deixavam escutar um arquivo de áudio muito breve das cinco canções em diferentes montagens experimentais e tinham que relacionar com os títulos."
Estas capacidades refletiram-se em outros experimentos similares, como o do pesquisador austríaco Hannes Raffaseder, da Escola Superior de St. Pölten, ou Emmanuel Bigand da francesa Université de Bourgogne. E sem importar que os participantes fossem músicos ou não.
"Bigand esmiuçou a clássica melodia das Quatro estações de Vivaldi até dividi-la em fragmentos de apenas 50 milisegundos, e ainda assim os participantes foram capazes de identificar a peça."
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