São nossas preferências musicais biológicas ou aprendidas?

LuisaoCS

São nossas preferências musicais biológicas ou aprendidas?

Se há algo que distingue a todas as culturas da Terra é nosso amor pela música. Os seres humanos temos gosto pelos padrões repetitivos e criamos todo tipo de expressões culturais a partir do som, mas temos todos as mesmas preferências quanto aos sons consonantes e dissonantes? A discussão sobre se o gosto pelos sons consonantes é biológica ou cultural vem de longe e há provas para apoiar a tese de qualquer dos dois lados.

Por um lado, a disposição de nossas células receptoras no ouvido faz com que determinadas freqüências resultem desagradáveis, algo que se viu em bebês de poucos dias e em diferentes espécies animais. De outro, há provas bastante sólidas de que a apreciação da música tem muito de cultural. Em 1958, por exemplo, as emissoras de rádio dos Estados Unidos censuraram o tema instrumental do Link Wray "Rumble" porque consideravam que aquelas insuportáveis dissonâncias da guitarra incitavam à violência, quando hoje é um som que nos parece perfeitamente harmônico.


Para tentar compreender melhor a origem desta distinção entre o que nos parece dissonante e o que não, Josh McDermott realizou um interessante experimento cujo resultado foi publicado ontem (13/07) na revista Nature. Ele e sua equipe se deslocaram ao Amazonas e ali comprovaram as preferências musicais de 64 membros da tribo dos Tsimane, que vivem em aldeias muito apartadas, não têm eletricidade e estão bastante isolados da cultura ocidental.

Cada um dos participantes escutou uma série de sons em fones de ouvido e deviam avaliar até que ponto eram agradáveis ou desagradáveis em uma escala de quatro pontos. Para sua surpresa, os tsimane avaliaram os sons dissonantes e consonantes como igualmente prazerosos, enquanto no mesmo teste cidadãos da Bolívia ou EUA registravam avaliações diferentes.

Dois dos sons emitidos durante as provas. O primeiro é consonante e o segundo dissonante.

Em concreto, os pesquisadores pediram também aos tsimane que avaliassem sons de sua vida cotidiana, como risos ou suspiros de desagrado, bem como sons artificiais com diferentes frequências. O fato de que os indígenas mostraram as mesmas preferências que os ocidentais demonstra que sua percepção não difere da nossa em termos de discriminação entre sons.

Com estes elementos, os autores atrevem-se a concluir que a preferência pelos acordes consonantes que aparecem em quase todas as culturas humanas obedecem à exposição a determinada música polifônica mais que à biologia do sistema auditivo, confirmando assim a hipótese dos que defendem que se trata de uma questão cultural.

São nossas preferências musicais biológicas ou aprendidas?

Mas o assunto não está de todo esclarecido. Em um artigo de análise publicado simultaneamente na Nature pelo especialista Robert Zatorre listam algumas possíveis objeções a esta conclusão. Os autores passam por alto, por exemplo, que a música dos tsimane é monofônica, com apenas uma voz ou tom em cada uma das composições. De modo que os tons simultâneos são irrelevantes em sua cultura musical, o que poderia explicar por que não apresentam nenhuma preferência quando ouvem combinações de tons dissonantes e consonantes.

É possível portanto, propõe Zatorre, que seu sistema auditivo tenha sido moldado por esta circunstância da mesma maneira que as pessoas orientais terminam por não distinguir entre os sons de "r" e "l" se não aprenderem desde pequenos. Se o ambiente e a própria cultura modelam a percepção mediante um mecanismo de plasticidade cerebral, se explicaria por que aos tsimane não encontram diferença entre os sons dissonantes e consonantes, simplesmente por falta de treinamento.

Isto, unido ao fato de que os tsimane mostraram o mesmo desagrado que os ocidentais a sons dissonantes do cotidianos, faz pensar que ainda há elementos para sustentar a hipótese biológica. De fato, no trabalho de McDermott cita-se um estudo anterior de Thomas Fritz que apontava a que outra tribo isolada, esta de Camarões, sim parecia preferir a consonância à dissonância.

Para Zatorre, este estudo sugere que o ambiente pode mudar algumas das propriedades inatas do sistema biológico de percepção, mas este segue tendo um papel determinante. Nos os neurônios do córtex dos macacos, por exemplo, são registrados respostas substancialmente diferentes entre sons mais ou menos dissonantes, e seria difícil argumentar que este efeito está baseado pela cultura musical dos macacos.

Para McDermott, no entanto, todos estes argumentos são insuficientes e considera que as provas sobre a base biológica do som em animais e bebês são débeis. Com respeito à crítica de Zatorre, acha que o que acontece na linguagem não é equivalente à preferência pelos sons e, ainda que admite que é possível que aquilo ao que somo expostos influa no ouvimos, acha que a chave não está na discriminação (que os tsiname sim são capazes de fazer), senão na preferência.

Para defender sua teoria, McDermott lança mão de um argumento também muito frágil, de que a preferência pela consonância seja artefato histórico que tem suas raízes na antiga Grécia. Ele acha que os gregos transladaram suas ideias sobre as proporções à música que faziam e aquele critério foi herdado durante milênios marcando nossas preferências. Ainda assim, sua intenção é seguir fazendo mais experimentos com os tsimane e ver se encontram efeitos similares em outras culturas.

Eu creio piamente que a preferência pelas consonantes seja biológica e, arriscando falar bobagem, biologicamente aprendida (assim como na epigenética). Está claro que a cultura tem um papel importante no reconhecimento da consonância e dissonância. Mas se basear no fato de que uma determinada população seja insensível a esta diferença também não demonstra por si só que esta seja puramente cultural.

O fato de que não usem polifonia faz com que não seja tão chocante que não mostrem uma preferência forte por combinações de sons em frente a outras, simplesmente por que não estão acostumados a isso. É como se alguém te oferecesse para provar duas pimentas pela primeira vez e você não sabe qual arde mais. Isso não significa, entretanto, que a sensação picante não exista ou seja puramente cultural.

Via | Science Daily.


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