O lado escuro do bóson de Higgs

LuisaoCS

O lado escuro do bosón de Higgs

Imagine por um momento que está  em sua casa e que escuta um apito contínuo e muito chato, mas que não sabe o que produz e nem de onde vem; a única coisa que sabe é que o apito existe e que, seja lá qual é a fonte, está em sua casa. O mais normal é que você formule várias hipóteses do que pode estar causando e, em função delas, busque alguns lugares ou em outros a origem do som. Chegará um momento em que estará vasculhando nos lugares mais insuspeitos: dentro dos travesseiros, do congelador ou no ralo do banheiro. Em qualquer caso cada lugar no qual procure e não encontre deveria ajudar a refinar suas hipóteses, por exemplo, limitando o local de origem e o tamanho do que pode produzir esse apito tão irritante. Algo parecido é o que acontece com a matéria escura.

As observações e modelos realizados sobre a evolução das galáxias cada vez mais confirmam a existência da matéria escura. E as hipóteses formuladas para tentar encontrar partículas com as quais não estamos familiarizados são de todo tipo. Algumas incluem que poderiam ser o produto de algum tipo de desintegração do próprio bóson de Higgs.


Efetivamente, o bóson de Higgs, detectado há pouco, poderia ser a conexão entre as partículas com as quais estamos familiarizados e também com essas outras que resistem a ser detectadas, mas que sabemos que existem, como a matéria escura. Para pesquisar esta possibilidade um grupo de pesquisadores está estudando os dados do Grande Colisor de Hádrons buscando aqueles eventos em que um bóson de Higgs se desintegra em partículas invisíveis, isto é, que não deixa traços nos detectores do LHC. A Colaboração ATLAS, autora do estudo, descobriu que a probabilidade deste tipo de eventos não excede os valores previstos pelo Modelo Padrão. Este resultado, publicado na Physical Review Letters, limita severamente as teorias que afirmam que as partículas de matéria escura têm uma massa pequena.

Os detectores ATLAS e CMS do LHC anunciaram conjuntamente a descoberta do bóson de Higgs em julho de 2012. As detecções baseavam-se principalmente em duas rotas de interação nas quais as colisões próton-próton produziam bósons de Higgs que se desintegravam em dois raios gama ou em dois bósons Z. Mas o Higgs também pode desintegrar-se em partículas invisíveis, que podem fazer parte do Modelo Padrão (como os neutrinos) ou responder ao que chamam de "uma nova física" (como a matéria escura).

Nesta análise a Colaboração ATLAS se centrou em colisões que produzem um bóson Z e um bóson de Higgs em que este se desintegra de forma não visível. O bóson Z é detectado por sua desintegração em um par de elétrons ou múons, enquanto o bóson de Higgs infere a partir da quantidade de movimento (ou momento) que falta nos produtos da colisão. Recordemos que o momento é uma propriedade que se conserva, como a energia, motivo pelo qual se os prótons antes da colisão tinham uma determinada quantidade de movimento os produtos da colisão que vemos deveriam ter a mesma, se não tiverem é porque existe uma partícula que não vemos e que possui a quantidade de movimento que falta.

Os pesquisadores, depois de subtrair todos os eventos de fundo, estimam que o bóson de Higgs se desintegra em partículas invisíveis não mais do que 75% das vezes. Isto, no entanto, é consistente com as predições do Modelo Padrão, o que permite estabelecer alguns limites mais ajustados até agora à probabilidade de interação do bóson de Higgs com as partículas candidatas a matéria escura em uma faixa de massas entre 1 e 10 GeV (Giga elétron-volts).

Como no caso da fonte do apito, este resultado elimina algumas possibilidades. Mas também nos obriga a aguçar a imaginação na busca da agulha no palheiro do universo.


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