Não existe divisão entre o hemisfério direito e esquerdo do cérebro

LuisaoCS

Não existe divisão entre o hemisfério direito e esquerdo do cérebro

Por anos falamos de pessoas que têm uma predominância de certo hemisfério cerebral, e muitos descreveram popularmente as mais criativas e intuitivas características como pertencentes a essa faixa limiar do hemisfério direito e as mais analíticas e lógicas como mais propensas à atividade do hemisfério esquerdo. Tanto que dentro da rotina classificatória de nossa cotidianidade muitos de nós fomos localizados em algum momento como pessoas do hemisfério cerebral direito ou vice-versa, sugerindo que nossa capacidade cerebral está determinada e quase margeada a uma faixa do pensamento e que nos movemos dentro de certos limites cognitivos.

Estamos tão propensos a esta demarcação dicotômica, que é quase certo que tenhamos crescido com a noção de que quando realizamos um tipo de operação mental, como uma soma aritmética, ou quando tentamos escrever um verso ou imaginar como seria uma paisagem em outro mundo estamos utilizando partes diferentes e separadas do cérebro. Só que não! Como muitos outros supostos conhecimentos do que é nosso cérebro, incluindo a famosa e falsa asseveração de que só usamos 10% dele, a faixa incisiva entre os hemisférios como práxis dominante da cognição é falsa ou ao menos foi considerada fora de sua justa proporção.


O neurocientista, Stephen M. Kosslyn, esclarece que conquanto existem algumas diferenças entre o lado direito e o lado esquerdo do cérebro, estes são bem mais sutis, por exemplo:

- "O lado esquerdo processa pequenos detalhes do que vemos e o lado direito processa as formas gerais". E mais importante, - "As metades do cérebro não trabalham isoladas; sempre funcionam como um sistema. Sua cabeça não é o cenário de uma interminável competição, a parte 'forte' do cérebro lutando com a parte 'frágil'. E, finalmente: as pessoas não usam preferencialmente uma metade ou a outra".

Ao que parece a origem desta divisão hemisférica embebida na cultura popular originou-se de uma série de experimentos realizados pelo Prêmio Nobel, Roger Sperry, que cortou o corpo caloso -que une as metades do cérebro- de 16 pacientes (que obtiveram certo alívio após esta operação) e realizou depois estudos com os mesmos. Isto foi a base de um artigo publicado em 1973 pelo New York Times que assinalou:

- "Duas pessoas muito diferentes habitam em nosso cérebro... Um deles é verbal, analítico e dominante. O outro é artístico..." A partir dai um monte de publicações tomaram o modelo, pese a que o próprio Sparry tenha dito que: - "A observação experimental da polaridade direita-esquerda em estilos cognitivos é uma ideia da qual facilmente é possível abusar".

Kosslyn adverte que nos últimos anos um novo mito se formou, aquele de que o cérebro também é dividido em sua parte superior e inferior, neste perene mecanismo de projeção atomista. A parte superior é a que faz planos e revisa esses planos quando não ocorrem; a parte inferior classifica e interpreta o que percebemos. Algo que em realidade ocorre de maneira sistêmica nas diferentes partes do cérebro.

O segredo do cérebro, no entanto, não está em que parte usamos senão na interação entre as partes. A consciência, sugerem cientistas como Christof Koch, é uma propriedade emergente à complexidade neural:

- "É todo o sistema que é consciente, não os neurônios individuais", assinala Koch, que acha que a consciência é inerente à integração de sistemas complexos, incluindo animais e que poderia se estender a sistemas não-biológicos se estes conseguirem suficiente complexidade integrada.

A teoria holonômica do neurocientista Karl Pribram sugere que a memória também não é armazenada em células nervosas individuais senão que armazena, cada parte, em todo o cérebro, assim como um holograma e se sintoniza a partir das relações que formam o sistema ou rede sinapticodendrítica. É altamente provável que em realidade a mais alta cognição surja do equilíbrio entre estas aparentes polaridades cerebrais. Einstein, nosso grande símbolo da inteligência, é um exemplo muito claro da interrelação entre estes hemisférios como sublime método de apreensão. Por uma parte uma base matemática-analítica e por outra parte, como ele mesmo declarou várias vezes, uma inclinação para a imaginação.

Ademais, um estudo de pesquisadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, publicado na revista PLoS ONE, examinou o cérebro de 1.011 pessoas entre as idades de 7 e 29 anos, concluindo que as ressonâncias magnéticas não encontraram nenhuma correspondência da chamada "lateralização", que é esta idéia de que certos processos mentais ocorrem principalmente no lado direito ou no hemisfério esquerdo do cérebro.

A divisão entre hemisférios cerebrais preferenciais reflete o profundo dualismo que temos incorporado a nossa percepção do mundo, especialmente no pensamento científico baseado na fragmentação para a análise, e deixando a segundo termo a noção de interrelação e interdependência. Herança do racionalismo, que de maneira medicamente negligente dividiu o corpo da mente, temos na atualidade novas divisões, que buscam segmentar a totalidade da matéria. E conquanto existam por suposto diferenças e inclusive uma espécie de polaridade inerente ao mundo -tanto simbólica quanto física-, tudo aponta a que tal divisão é superficial -os opostos em realidade são complementos- e a que os organismos operam como sistemas integrados, holísticos, partes de uma rede de interconexão na qual é possível traçar um remanescente de unidade que remonta à origem do universo.

Via | Time.


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