Um país com ciência ou apenas um país com cientistas?
Conta-se que o famoso matemático inglês Michael Atiyah resolveu explicar para sua mãe a natureza de suas atividades. Depois de ter ouvido atentamente as explicações do filho, a boa senhora teria dito:
- "Acho que agora entendi o que você faz; mas diga-me uma coisa, por que pagam você para isso?" A pergunta que, segundo a anedota, a Sra. Atiyah teria feito a seu filho também é feita com freqüência por políticos, administradores e pela sociedade em geral.
A pertinência de se investirem recursos públicos na pesquisa científica e tecnológica em qualquer país, mas, sobretudo, em países em desenvolvimento como o Brasil, com notáveis carências sociais, deve ser sempre re-demonstrada com argumentos humanistas - que sustentam a nobreza da busca constante pelo conhecimento - e os pragmáticos - que indicam que a pesquisa é a base da inovação, essencial ao desenvolvimento econômico e à geração de riqueza.
Com o avanço das fronteiras do conhecimento humano, a ciência proporciona aos povos que participam de fato de seu desenvolvimento, melhor qualidade de vida. Isso é alcançado mediante libertação do homem quanto às necessidades básicas de sobrevivência e da conseqüente sofisticação da atividade humana em seus aspectos sociais, econômicos, culturais e artísticos. Em última instância, fazer ciência é viver na plenitude a aventura do homem sobre a Terra. Os povos que não participam do desenvolvimento científico estão, em grande medida, alijados dos avanços nos padrões de qualidade de vida e são economicamente subalternos em relação aos povos que lideram os avanços do conhecimento.
Reverter esta situação não é tarefa fácil já que criar uma cultura científica exige inúmeros investimentos em educação e cultura, o que é agravado pelas carências advindas da dificuldade que essas sociedades têm em criar riquezas sem o insumo principal para isso, que é o conhecimento. Encontrar modos de romper esse círculo vicioso é o grande desafio da sociedade brasileira.
Em uma aproximação muito grosseira, mas ilustrativa, pode-se dizer que o mundo está hoje dividido em duas partes: Por um lado, existe o tecnologicamente avançado, cuja característica principal é o alto padrão de domínio da ciência e da inovação tecnológica. Do outro lado, o Terceiro Mundo, que não dispõe do domínio da ciência e da tecnologia. Ou seja, um Primeiro Mundo que pensa cientificamente, cria, inventa, produz, descobre, empresta ou sonega sua tecnologia, e um Terceiro que viaja, se comunica, se diverte, trata a saúde e morre, utilizando-se das roupas, veículos, telefones, Internet, televisão, esportes, medicamentos e armas que o primeiro inventa.
Mediante os meios de comunicação, o Terceiro Mundo só percebe a ciência em seus aspectos mais externos: manchetes de jornal, celebrações, premiações, recepções, discurso de autoridades e congressos científicos que reúnem a elite da inteligência. Nesse contexto, a ciência aparece como ferramenta miraculosa para tirar o país do atraso, da miséria e da desesperança.
O político e os tomadores de decisão, em geral, compartilham dessa visão e concluem que bastaria financiar algumas centenas, ou milhares de pesquisadores para "pegar o bonde" do progresso, da abundância e da felicidade. O que faz da ciência, uma parte do marketing político. É apenas "ciência para inglês ver". Essa intrigante expressão, que tem origem na época da escravatura, é muito conveniente para adjetivar parte da pesquisa feita no Brasil. Nela, a simples aquisição de equipamentos científicos sofisticados é considerada uma conquista científica em si mesma.
Essa visão ingênua, que considera a ciência patrimônio de um seleto grupo de cidadãos, dos quais cabe esperar o milagre e o fim da miséria, encobre um erro de perspectiva fundamental. Um país não faz ciência apenas aplicando quantidades variáveis de dinheiro em cientistas e laboratórios. Esses investimentos são necessários, mas não suficientes. Se bem-sucedidos, geram bons pesquisadores, componente indispensável para expansão das fronteiras do conhecimento. No entanto, a experiência dos últimos séculos revela que, para um país ter ciência, é necessário que sua sociedade possua uma visão do mundo norteada pela certeza de que a ciência, assim como seu produto, é a verdadeira geradora de bem-estar e progresso.
Não se pretende aqui afirmar que essa visão seja necessariamente a de cada um dos cidadãos, mas, é evidente, que seja a dos que decidem os rumos do acontecer nacional: dirigentes políticos, empresariais e sindicais; forças armadas, organizações públicas ou privadas de produtores e consumidores; e, sobretudo, dos que, em todos os níveis, planejam e implementam o sistema educativo.
Uma população integrada na moderna sociedade da informação exige massa crítica de pesquisadores recrutados em um universo abrangente da população com acesso à educação superior e um sistema produtivo comprometido com o progresso. Portanto, a existência de ciência num país depende mais da visão do mundo que sua sociedade possui, do que da fração do PIB aplicada na compra de telescópios, espectrômetros, computadores, e outros equipamentos necessários à pesquisa.
Essa visão faria, por exemplo, com que câmaras empresariais e sindicatos saíssem em defesa imediata de escolas, colégios e universidades cada vez que o poder central os sufocasse economicamente, ou de alguma outra forma.
Ter uma sociedade com cultura científica capaz de gerar conhecimento original não é o mesmo que ter alguns poucos grandes cientistas. Com recursos expressivos aplicados de forma continuada e um programa de formação de pesquisadores no exterior, um país pode gerar, em pouco tempo, grupos de pesquisa altamente qualificados, com alguns pesquisadores de nível internacional capazes de obter importantes prêmios acadêmicos. Entretanto, esses grupos estarão inteiramente desvinculados da realidade social do país e terão poucas chances de fertilizar, com suas descobertas, o sistema industrial e de serviços e gerar emprego e renda. Tem-se hoje no mundo vários países nessas condições, países cujos cientistas receberam até prêmios Nobel, mas cuja população continua a viver majoritariamente na miséria e na ignorância.
O grande desafio da sociedade é promover o crescimento econômico e a redução da desigualdade social, e não há dúvida de que o aumento do nível de escolaridade geral da população é parte essencial desse processo. Mais escolaridade de qualidade e conseqüente integração de maior parcela da população ao esforço do país em ciência e tecnologia é condição básica para a participação de todos os brasileiros em uma economia moderna, em uma sociedade verdadeiramente democrática.
Via | Scielo.
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Comentários
Brasil sempre vai ser assim enquanto não houver investimento em ciência... mas não é isso o que eles querem?
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