Ser ginecologista é padecer no paraíso?

LuisaoCS

Ser ginecologista é padecer no paraíso?
Ferramenta para amputar o colo uterino. 1860-90. Crédito: Tenebrosas ferramentas da medicina antiga.

Ainda que a pergunta titular pareça um trocadilho tosco e vulgar, tem a sua razão de ser. A história da ginecologia é uma mistura de ignorância, rejeição misógina e medo que fez com que até há muito pouco não soubéssemos realmente como é uma vagina.

Por exemplo, em 1852 a ignorância da anatomia e a fisiologia feminina era quase medieval: um médico norte-americano citava com orgulho que as "mulheres preferem sofrer o extremismo do perigo e da dor antes de renunciar aos escrúpulos de delicadeza que impedem a completa exploração de suas doenças". Os médicos, pois, até há pouco tempo, mal se aproximavam um par de palmos da zona reprodutiva do corpo da mulher e se fosse possível, nem sequer a olhavam.

Um claro exemplo nos dá Judith Flanders ao contar que um médico britânico perdeu seu registro no Conselho de Medicina por descobrir que uma mudança na coloração da zona que rodeia a vagina pouco depois da concepção era um indicador útil de gravidez, não porque fosse uma descoberta mais ou menos acertada senão porque para chegar a essa conclusão tinha que fazê-lo mediante observação direta.


Ser ginecologista é padecer no paraíso?
Espéculo vaginal. 1600. Crédito: Tenebrosas ferramentas da medicina antiga.

James Platt White, outro respeitado ginecologista dos Estados Unidos, foi expulso da American Medical Association por permitir que seus alunos observassem uma mulher dando a luz. E isso que a mulher tinha dado seu consentimento.

Outros médicos, se topassem em um parto com uma mulher de pélvis estreita, negavam-se a usar fórceps para que não dessem a luz e trouxessem ao mundo meninas com essa deficiência herdada.

E se lermos uma publicação como a conceituadíssima British Medical Journal em uma data tão recente como 1878, a coisa não parece muito melhor: chegou a publicar uma carta perguntando se o contato da mão de uma mulher com a menstruação podia estragar o presunto.

Um ginecologista pioneiro (e atrevido pelo fato de ter se introduzido mais a fundo no sexo feminino) foi um cirurgião chamado Isaac Baker Brown. O problema é que Baker estava completamente equivocado em suas conclusões. Por exemplo, estava convencido de que quase todas as doenças femininas eram resultado da " excitação periférica do nervo pudendo centrado no clitóris". Em palavras mais terrenas: se as mulheres sofriam de loucura, epilepsia, histeria, insônia ou muitos outros transtornos nervosos, estava diretamente relacionado com o fato de que se masturbavam. A solução era tremendamente fácil: extirpar cirurgicamente o clitóris (uiii!). Ah, e de passagem também falava em extirpar os ovários, que eram considerados também nocivos. O problema é que ninguém tinha extirpado ovários até então, de modo que suas primeiras pacientes morreram na tentativa.

Em 1867, Baker Brown foi expulso da Obstetrical Society of London, assim que descobriram que levava anos extirpando clitóris sem o consentimento ou conhecimento prévio das mulheres que operava. No entanto, apesar das práticas medievais de Baker, foi ele quem fez mais por elevar os padrões modernos do estudo e a prática da medicina feminina.

Agora dispomos de um conhecimento bem mais preciso do sexo feminino, até o ponto de que inclusive sabemos por que as vaginas das mulheres cheiram como cheiram (e por que algumas delas cheiram a peixe), tal e qual já expliquei em "Os cheiros da vagina": uma vagina de cheiro desagradável nem sempre é sinônimo de falta de higiene. De fato, o excesso de higiene é pior que a falta, pois se destrói a imprescindível flora vaginal. Um cheiro fétido pode ser produzido pelo que se chama vaginite bacteriana, uma infecção que produz compostos como a trimetilamina, que curiosamente é a mesma substância que outorga seu cheiro ao pescado pouco fresco. Também encontraremos putrescina, que é o que acharemos na carne putrefacta, e cadaverina, cujo nome permite fácil imaginar a origem.

Mas basta retroceder 100 anos mais, até 1726, para ler coisas tão estrambóticas como o melhor exemplo de candura profissional no celebrado caso de Mary Toft, uma criadora de coelhos analfabeta de Godalming, Surrey, que durante várias semanas do outono de 1726 conseguiu convencer as autoridades médicas, incluindo a dois médicos da casa real, de que estava dando a luz coelhos. A notícia foi uma autêntica sensação nacional. Vários médicos assistiram aos partos, e mostraram-se mais do que assombrados. Só quando outro médico, Sir Richard Manningham, pesquisou com mais atenção o tema, opinou que tudo tinha sido uma patranha de Toft, que confessou por fim o engano, explicando que simplesmente inseria os coelhos mortos na vagina quando não tinha ninguém olhando.

Se temos de remontar aos início, então temos de ir ao antigo Egito, onde foi encontrado o texto ginecológico mais antigo: o papiro ginecológico de Kahun, que trata sobre infecções femininas (doenças ginecológicas, fertilidade, gravidez, contracepção, etc). O papiro divide-se em 34 seções, cada uma das quais aborda um problema específico junto com o diagnóstico e seu tratamento, sem sugerir nenhum prognóstico. Nenhum dos tratamentos é cirúrgico e apenas incluem o emprego de medicamentos sobre a parte do corpo afetada ou sua ingestão.

Por exemplo, no papiro podemos ler que a gravidez não era detectada pela ausência de menstruação senão que pelo vômito que os restos podres de cerveja ou tâmaras moídas espalhados pelo chão provocavam na mulher. O número de vômitos determinaria o número de nascimentos que aconteceria. Durante a gestação, no entanto, os egípcios pensavam que o sangue da menstruação era desviado para a formação e manutenção do feto.

Via | Em Casa, de Bill Bryson.


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Comentários

De novo esse papo de cheiro de vagina. Vcs acham que pintos não fedem não é? Que eles cheiram à Mamãe e Bebê? Já cheiraram um pra sentir?

Tem certeza que esse amputador de colo uterino não é um daqueles arpões de matar baleias? Tem certeza que esse espéculo vaginal não é estetoscópio, um compassou, ou parte de um moedor manual de café?

Então, eles escolhem a profissão porque querem e devem gostar, porque a medicina tem um monte de áreas legais pra se trabalhar. Talvez, eles tivessem receio de olhar e ficar excitados. Na mente deles, isso seria anti ético, inadmissível. Se evitavam é porque tinham medo de algo. E nem tudo são flores, principalmente por causa das doenças. Tem q ser muito bobão pra achar q ginecologista só lida com vaginas belas, raspadas, jovens e saudáveis. Quem sabe comprometeria o desempenho sexual deles com suas mulheres. Sei la, na hora do sexo ele ficaria pensando nas vaginas que viu durante o dia, e não rolaria. Se tinha tanta ignorância e tabus entre o conselho médico, imagina entre a população. A coisa era realmente ridícula. A era dos tabus, dos falsos moralistas e recalcados. Odeio todas essas coisas antigas, elas fedem ignorância. Ainda bem que a ciência evoluiu e saiu do lugar, e jogou um monte de crendices por terra, mas tem gente que ainda está lá nas cavernas. Acredito que no tempo da minha avó, as meninas levavam tapas nas mãos se fossem pegas inocentemente com a mão na calcinha. Aí a criança crescia tendo uma ideia de que sua vagina é uma zona suja e proibida, quer dizer, proibida pra elas, não para os machos no qual eram obrigadas a se casarem. Essas ideias eram alimentadas com argumentos furados pelas próprias mães que repassavam para as filhas. Minha tia avó dizia que mulheres que ficavam virgem até uma certa idade, enlouqueciam se recorressem a masturbação. Fora aquela besteirada de menstruação subir e ir parar na cabeça. Tinha (ainda deve ter) mulheres que passavam a vida toda sem saber como é sua própria vagina (nem como o útero funciona). Porque é pecado ou imoral, e sei lá mais o que. Estranho que um cara, que talvez nem te ame, talvez te chifre, talvez te largue, pode ver, tocar e socar sua vagina ( como se tivessem desentupindo uma pia), mas a mulher não pode se tocar e nem ver sua vagina no espelho. Ainda temos cantos pelo mundo cheio de gentinha com mente retrógrada movida à religião <s>lixo</s>, onde a mulher não tem direito de sentir prazer. Nem de se tocar, nem de se olhar. A vagina faz parte do corpo, e precisa ser cuidada, bem tratada, e a mulher deve conhecer seu corpo sim, com devido respeito e cuidados. A hipocrisia e a ignorância a cerca das vagina acabaram. Agora lidamos com exposição desmedida, o banal. Ao menos no nosso país, muitas mulheres não aprenderam a lidar com o melhor que temos, que é a liberdade.

Bom! Falou de duas coisas que gosto!
Ciências e ....
Bom, xapralá.
Mas ficou bom!

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