As auroras acontecem nos dois polos?
No ano de 1962, enquanto detonavam uma série de bombas atômicas sobre o arquipélago de Samoa, o exército americano comprovou que as explosões nucleares em alta atmosfera não só interrompiam temporariamente as comunicações, senão que geravam auroras artificiais que se estendiam e refletiam ao longo da magnetosfera. Um dos fenômenos que escapavam a seu entendimento naquele momento era a presença de auroras boreais quase simultaneamente no hemisfério oposto e bem longe da explosão. Por que aconteciam aquelas auroras "paralelas"? Como viajavam as partículas pelo campo magnético da Terra?
A partir daqueles primeiros testes, o exército começou uma linha de pesquisa sobre as auroras e realizou diversos testes ao longo do planeta, desde o equador até Virginia ou o longínquo Alaska. Os cientistas tinham a suspeita de que as auroras polares, boreal e austral, aconteciam de forma simultânea em ambos polos, mas o fenômeno não havia sido confirmado. Uma das primeiras suspeitas surgiu ao contrastar os diários do capitão Cook, que registrou pela primeira vez o fenômeno em setembro de 1770 enquanto explorava o pacífico Sul com os dados do almanaque chinês da dinastia Qing, que falava do mesmo fenômeno na mesma noite que Cook, mas em diferente hemisfério.
Neil Davis (esquerda) com outros membros do Instituto de Geofísica
Para tirar as dúvidas, em 1967 a National Science Foundation decidiu enviar uma missão estudar aquela suposta conjunção e enviou vários cientistas, entre os quais se encontrava Neil Davis, que relata em seu livro "Rockets over Alaska" aquele primeiro experimento para comprovar as diferenças entre as duas auroras polares.
Na primavera do ano de 1967, conta Davis, ele e vários membros de sua equipe do Instituto de Geofísica montaram câmeras e instrumental de medição em dois aviões que foram enviados para voar nos extremos dos dois hemisférios. O primeiro avião voou até Anchorage, no Alaska, e o segundo sobre a localidade neozelandesa de Christchurch, viajando simultaneamente e comunicando-se permanentemente com o comando central, em uma das primeiras transmissões via satélite.
Ilustração sobre a conjugação de auroras.
- "O esforço foi muito bem sucedido, porque descobrimos que as auroras nos dois hemisférios eram altamente simultâneas -de fato, eram um espelho da outra", relata Davis. Na seguinte primavera enviaram outras cinco missões e comprovaram que algumas auroras estavam tão sincronizadas em ambos hemisférios que mal apresentavam uma diferença de 0,1 segundos em sua entrada à atmosfera. A descoberta tinha envolvimentos importantes para entender a natureza do fenômeno porque indicava que independente do que estaria criando variações, estava atuando mais na magnetosfera do que nas duas ionosferas polares.
Fotos feitas simultaneamente desde os aviões em ambos os hemisférios.
Aquela foi a primeira vez que se registrava experimentalmente o fenômeno que mais tarde se confirmaria graças às imagens feitas pelos satélites. No ano de 2001, a NASA filmou a entrada de duas auroras boreais simultaneamente em ambos os polos e confirmou definitivamente a teoria da conjunção. As partículas procedentes dos ventos solares movem-se através da magnetosfera em ambos os sentidos e penetram nos polos quase ao mesmo tempo. Estas partículas chocam-se com os átomos de oxigênio e nitrogênio da atmosfera e provocam a reação luminescente que tão bons momentos têm deixado nas retinas dos exploradores polares.
Confirmação do fenômeno através do satélite.
Estudos posteriores indicaram algumas exceções, segundo o tipo de aurora (discretas ou difusas), mas hoje conhecemos o fenômeno com bastante certeza e inclusive temos observado como em outros planetas, como Saturno, também acontecem auroras simultaneamente em ambos os polos.
São exatamente simétricas ambas as auroras? Aí é onde a equipe de Davis patinou um pouco (recordem que falava de auroras espelho), já que entram em jogo outros muitos fatores relacionados com as correntes e as estações. Em 2009, dois pesquisadores da Universidade de Bergen, na Noruega, publicaram em Nature um estudo que demonstrava que as auroras não são simétricas e que variavam sobretudo em intensidade.
Mesmo assim, segue existindo um fato verdadeiro sobre aquilo que gosto de fantasiar: se em um dia tivermos o privilégio de contemplar uma aurora sobre os céus do polo norte, podemos estar bastante seguros de que no outro extremo do globo alguém pode estar vendo uma aurora irmã, talvez menos ou mais intensa, cintilando sobre o céu austral.
Notícias relacionadas:
Comentários
Nenhum comentário ainda!
Deixe um comentário sobre o artigo
Comentários devem ser aprovados antes de serem publicados. Obrigado!